Massacre de Eldorado de Carajás completa 28 anos e marca luta pela reforma agrária

Revista Fórum [17 de abril de 2024]

Publicado em 19 de abril de 2024 na edição 107 da Revista Fórum Semanal

Foto: Caminhão que carregou corpos das vítimas do Massacre de Eldorado de Carajás, em 1996.Créditos: Reprodução/Youtube TVT

Neste mês, assim como em todos os anos, o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) se lança ao Abril Vermelho. Trata-se de um calendário de manifestações em prol da reforma agrária e de uma série de ocupações de terras consideradas improdutivas. Foram mais de 20 ocupações realizadas nos últimos 17 dias. Nesse período, o maior movimento social do mundo faz uma série de denúncias a respeito das violências que ocorrem no campo brasileiro, sobretudo neste 2024 pós Bolsonaro em que até milícias de fazendeiros ligados ao agronegócio têm realizado ações violentas contra assentamentos e comunidades tradicionais, de indígenas e quilombolas.

Mas o Abril Vermelho não foi tirado do vácuo. As mobilizações fazem referência ao Massacre de Eldorado de Carajás, que completa 28 anos neste 17 de abril de 2024.

Em 1996, quando ocorreu o massacre, o MST mantinha um acampamento na chamada Curva do S, uma localidade do município de Eldorado de Carajás, no sudeste do Pará. Aproximadamente 1,5 mil pessoas que ali viviam se planejavam para marchar até Belém, a capital do estado, onde iriam reivindicar a desapropriação da área junto ao Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária). A fazenda Macaxeira era então ocupada por 3,5 mil famílias de trabalhadores rurais sem terra.

A marcha, no entanto, mal saiu e foi cercada por homens da Polícia Militar do Pará que executaram 21 camponeses e feriram outros 79. A violência odiosa da corporação gerou comoção aqui dentro e ultrapassou as fronteiras brasileiras.

Ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, uma lei transformou a data do massacre no Dia Nacional de Luta pela Reforma Agrária. Hoje, em tempos de crise climática e escalada autoritária do capitalismo em nível global, o marco é reconhecido internacionalmente pela Via Campesina como o Dia Mundial de Luta pela Terra.

“O Massacre de Eldorado de Carajás, assim como tantos outros, teve um impacto bastante grande no Brasil e no mundo. É um dos muitos massacres na história do nosso povo e do nosso país. Se nós rememorarmos, vamos verificar que ao longo da história brasileira muitos massacres ocorreram no campo. Voltando em séculos passados, vamos ter desde os massacres efetuados contra os povos indígenas, até as históricas revoltas populares que foram massacradas, como Canudos e a Cabanada. Na atualidade ainda persiste uma ideia na sociedade, principalmente em quem domina as terras no nosso país, de impunidade, porque historicamente sempre ficaram impunes”, analisou Gilmar Mauro, da coordenação nacional do MST, com exclusividade para a Revista Fórum.

Gilmar Mauro, coordenação nacional do MST.Créditos: Divulgação/MST

O dirigente do MST então nos lembra que só da década de 80 para cá, o Brasil já registrou mais de 1600 pessoas assassinadas no campo, entre lideranças camponesas, religiosas, indígenas e ativistas.

“Poucos casos foram a julgamento e muito poucos foram efetivamente condenados. Entre os condenados, poucos estão cumprindo de fato as penas estabelecidas. Nesse contexto, a melhor forma de rememorar o Massacre de Eldorado de Carajás é fazendo lutas, precisamente”, apontou.

E a semana começou com milhares famílias do MST ocupando terras improdutivas em quatro estados: São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco e Ceará, além do Distrito Federal. As ocupações da última segunda aconteceram em Campinas (SP), Agudos (SP), Campo dos Goytacazes (RJ) e em diversos municípios de Pernambuco (PE). Em Campinas e Campo dos Goytacazes, as famílias foram recebidas com violência pelas forças policiais.

Em Campo dos Goytacazes, a Polícia Militar intimidou os manifestantes, entre mulheres, crianças e idosos, e interceptou o sinal de celular para que eles não conseguissem se comunicar com quem está fora do acampamento. A terra ocupada foi regularizada pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) em 2007, mas o MST denuncia que autoridades policiais e rurais continuam impedindo “o direito de reunião, a liberdade de associação, o cooperativismo e a efetivação do direito à Reforma Agrária na região”.

Em Campinas (SP), a Guarda Civil Municipal, junto com o batalhão de choque, invadiu a ocupação com bombas de gás lacrimogêneo e ateou fogo na pastagem em torno do local onde as famílias estavam construindo seus barracos. Segundo o MST, o movimento estava em diálogo com a Secretaria de Habitação, que esteve no local mais cedo, mas a polícia não respeitou a negociação. As terras reivindicadas pelo MST no município foram declaradas, pela própria empresa que as ocupava, a Zezito Empreendimentos Ltda, impossibilitadas a realizar atividades produtivas.

Gilmar Mauro falou com a Fórum diretamente da manifestação que ocorre neste 17 de abril no local onde se deu o massacre. Ele fez a reflexão que conecta essa luta de hoje e a memória dos mortos de ontem.

“Hoje teve uma atividade muito grande na Curva do S, agora a noite, e no momento em que conversamos está tendo aqui no Galpão um sarau em homenagem aos mortos de Eldorado de Carajás. Essa é uma semana que relembra, para mostrar para a sociedade e para o governo, que ainda não se fez reforma agrária no nosso país”, diz o dirigente.

*Colaborou Júlia Motta.

Deixe um comentário