Quem é o deputado federal que prometeu reduzir limites de terra indígena a fazendeiros

Revista Fórum [03/04/2024]

Foto: Lúcio Mosquini (MDB-RO). Créditos: Reprodução/Câmara dos Deputados

Em evento com fazendeiros de Rondônia no final de março, o deputado federal Lúcio Mosquini (MDB-RO) anunciou que articulou junto ao governo federal a diminuição da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, que vem sofrendo com a ação de grileiros e invasores no sudoeste do Estado.

O parlamentar alega ter encontrado “erros” no processo demarcatório e o anúncio, diante dos fazendeiros, soa como uma oferta de terras. Para os indígenas, no entanto, o discurso se traduz em mais alertas e preocupações.

“Eu consegui, depois de quase dez anos lutando, acho que ninguém nunca conseguiu isso no Brasil, uma remarcação duma reserva indígena. Isso aí é a coisa mais difícil do mundo, você conseguir aí. E aqui, nos Uru-Eu-Wau-Wau, nós temos uma situação onde em algum momento o lote invadiu a reserva e a reserva invadiu o lote. Mas tudo é erro de demarcação”, declarou Mosquini.

O evento em que a fala foi feita demarcou a entrega de máquinas agrícolas para a Associação dos Produtores Rurais da Oitenta e Quatro (Aspruoq) e ocorreu no município de Mirante da Serra, que fica ao lado da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau.

Quem é Lúcio Mosquini

Nascido em Rondonópolis, no Mato Grosso, formou-se engenheiro eletricista pela Universidade Federal do MT. Na juventude, alega ter participado de movimentos políticos como o do impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Melo.

Se mudou para o município de Jaru, em Rondônia, na virada do século. A cidade está a cerca de 50 km da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau, em região já dominada pelo agronegócio. A mesma distância do território indígena também separa Jaru de Ji-Paraná, a principal cidade da região.

Antes de entrar para a política institucional, já atuava na defesa do agronegócio. Foi presidente da Cooperativa Agrorural de Jaru (Agrishow) e vice-presidente da Associação Comercial e Industrial do município. Em 2011 foi nomeado diretor-geral do Departamento de Estradas de Rodagem e Transportes (Der-RO) pelo então governador Confúcio Moura (MDB). E assim entrou oficialmente na política.

No ano seguinte seu departamento se fundiu com o Departamento de Viação e Obras Públicas (Devop-RO) e apenas dois anos depois, em 2014, elegeu-se deputado federal pela primeira vez com 40,5 mil votos. Tomou posse em primeiro de fevereiro de 2015 e foi reeleito sucessivamente em 2018 e 2022.

No parlamento votou a favor do impeachment contra Dilma Rousseff (PT) e a favor da PEC do Teto de Gastos Públicos que afundou a economia e os programas sociais brasileiros. No entanto, quando foi ventilado um processo de impeachment de Michel Temer (MDB), em 2017, colocou-se contrário.

No ano passado protocolou o PL 1090/2023 na Câmara dos Deputados que expõe sua defesa do agronegócio. O texto permite que fazendeiros que tiverem suas terras ocupadas por trabalhadores sem terra ou comunidades tradicionais tenha o direito de contar com a força policial para desocupar o terreno sem ordem judicial. Basta fornecer documentação que comprove a posse.

Dessa vez, ele pretende favorecer exatamente o tipo inverso de ‘invasor’: o fazendeiro ou grileiro que busca se apropriar de território indígena.

Histórico recente de invasão

No último 27 de janeiro, homens da Polícia Federal e da Força Nacional empreenderam a Operação Tapunhas e se dirigiram à Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau com o objetivo de retirar certa de 50 invasores. O nome da operação deriva da palavra ‘tapy’inha’, que significa ‘branco invasor’ no idioma indígena.

Os agentes retiraram os grileiros e ainda inutilizaram seus 8 barracões e tendas. De acordo com nota das autoridades, não houve resistência e uma pessoa identificada como líder da invasão foi presa e agora é investigada por contrabando de produtos veterinários.

Junto com os demais invasores, ele também responderá por associação criminosa, invasão de terra da União e desmatamento – podendo pegar até 10 anos de prisão. Paralelamente, dois mandados de busca e apreensão foram cumpridos em Governador Jorge Teixeira (RO) e Theobroma (RO).

“A PF realizou diligência que confirmou o contexto criminoso da ação e qualificou uma das lideranças da movimentação delituosa”, desse nota da investigação divulgada à época.

De acordo com a Funai, a invasão está vinculada a duas questões: as disputas fundiárias, por terras, que vêm acompanhadas da especulação imobiliária; e o avanço do agronegócio e das atividades extrativas, como a indústria madeireira ilegal.

O órgão aponta que a aproximação das eleições municipais costuma aumentar a tensão entre indígenas e invasores na região.

Em dia 21 de janeiro, segundo apuração do portal Amazônia Real, os indígenas se depararam com os invasores. Os barracões, posteriormente destruídos pelas autoridades, estavam na região chamada de Alto Jamari, próximos a uma aldeia. Segundo a denúncia dos indígenas, os invasores já discutiam a partilha dos lotes.

Ramires Andrade, chefe da Divisão Técnica da Coordenação Regional de Ji-Paraná da Funai, explicou na matéria supracitada que a invasão era incentivada politicamente, por figuras políticas dos municípios que circulam o território, para que fosse feita a ocupação ilegal das terras. A moeda de troca pela facilitação do acesso às terras ilegal seria o voto e uma forcinha na campanha.

“Estamos monitorando de perto todos esses movimentos e, assim como agimos pronta e imediatamente para desmobilizar esse acampamento, continuaremos a agir para conter quaisquer outras iniciativas de invasores que tenham por objetivo ingressar, permanecer ou explorar ilegalmente o Território Indígena Uru-Eu-Wau-Wau”, explicou Andrade.

Lideranças da região disseram à repórter Luciene Kaxinaguá que temem represálias dos grileiros em relação à aldeia Alto Jamari. “A gente sentiu que o trabalho da PF e da Funai foi feito. Mesmo assim, temos medo de retaliação. São coisas que está muito preocupado, por conta do que já vêm ocorrendo em outros territórios”, disseram os indígenas que obviamente não foram identificados.

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau

A Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau possui uma área de 1,8 milhões de hectares ao sul de Porto Velho, a capital de Rondônia, próxima à fronteira com a Bolívia. Lá vivem 9 povos diferentes. Os indígenas Uru-Eu-Wau-Wau dividem o espaço com os Oro Win, os Juma e os Amondawa, além de cinco povos isolados. Excluindo os povos isolados, de quem pouco se sabe, três idiomas são falados na região: o kawahib e o kawahiva, que são da família linguística do tupi-guarani, e o txapakura, língua do povo Oro Win.

As disputas fundiárias datam dos anos 80 na localidade, coincidindo com a própria colonização e expansão agrícola no interior de Rondônia. As áreas são muito cobiçadas por fazendeiros e madeireiros, entre outros setores, e mesmo com a homologação do território em 1991 os conflitos não arrefeceram. A região costuma registrar desmatamento, incêndios, caça ilegal, extração de madeira e produtos florestais, invasões e outras ocorrências.

Toda a região que faz divisa com o território está tomada pelo agronegócio e, mesmo dentro da área demarcada os números são assustadores. De acordo com o MapBiomas, 34 mil hectares estão sendo utilizados para a criação de gado dentro da Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau.

O conflito principal ocorre na região do Burareiro, onde fazendas de gado ocupam cerca de 15 mil hectares, originado do projeto de expansão territorial da ditadura militar. Outras áreas disputadas incluem o marco nº 26, próximo a grupos isolados, em São Miguel do Guaporé, e outra próxima de Jaru.

A indigenista Neidinha Suruí, uma das responsáveis por denunciar a recente invasão, é uma personagem histórica no território. Ela teve sua história contada no documentário “O Território”, premiado no Festival de Haia, na Holanda.

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