As eleições no México e o fantasma da violência política

As eleições no México e o fantasma da violência política – Revista Fórum [28/05/2024]

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Foto: Polícia mexicana no estado de Veracruz.Créditos: Adam Jones via Wikimedia Commons

*Matérias publicadas antes de confirmada a vitória de Claudia Sheinbaum.

As autoridades mexicanas confirmaram no início da noite do domingo de eleições (2/6) o assassinato de Israel Delgado Vega, candidato à prefeitura da cidade de Cuitzeo, no estado de Michoacán, localizado no oeste do México. Ele tinha 36 anos.

De acordo com a Procuradoria-Geral de Michoacán, Vega foi morto a tiros às 23h do sábado (1/6), horas antes do início da votação, em frente a sua casa no município de San Juan Benito Juárez, que é vizinho a Cuitzeo (as cidades são separadas por uma ponte). Os dois autores do crime chegaram numa moto e dispararam contra o candidato.

A vítima era do Partido Trabalhista (PT), que faz parte da coligação de esquerda ao lado do Partido Verde Ecologista do México (PVEM) e do Movimento de Renovação Nacional (Morena), a sigla do atual presidente, José Manuel Lopez Obrador (AMLO), e de Claudia Sheinbaum, a candidata que pode liderar a corrida presidencial.

Vega estava na lista que concorria à administração da Prefeitura de Cuitzeo encabeçada por Rosa Pintor, a atual prefeita da cidade que busca reeleição. Em 2021 a mandatária teve o seu marido assassinado quando voltava de um evento político.

Israel Delgado Vega.Créditos: Reprodução/Facebook

Francisco Díaz Rodríguez, outro membro da administração de Cuitzeo, também foi sequestrado e assassinato em abril de 2022. Até hoje nenhum autor do crime foi identificado. Em maio desse ano também foi noticiado na região o desaparecimento de José Bernardo Aguirre García, secretário particular de Fernando Alvarado Ranger, um político local.

Dado o histórico de violência política no país e nessa localidade em especial, a polícia marcou presença nos locais de votação ao longo deste domingo para garantir a segurança dos eleitores.

As eleições no México e o fantasma da violência política

A violência política é um problema considerado estrutural no México, que passa por eleições nacionais neste domingo. Só em 2024 o país teve pelo menos 30 candidatos e pré-candidatos, além de 40 dirigentes políticos, assassinados. O número de candidatos que recebem proteção do Estado beira os 500 – 469 na última semana.

Cláudia Sheinbaum, Xóchitl Gálvez e Jorge Máynez, os principais presidenciáveis, contam cada um com 24 policiais fazendo sua proteção pessoal. Além deles, 11 candidatos a governador contam com dez policiais cada. 165 candidatos ao Senado e à Câmara, 286 candidatos a legislativos estaduais e cargos municipais e quatro funcionários eleitorais também terão a proteção individual de seis policiais.

A eleição definirá três níveis de cargos públicos: presidência da República, 500 deputados e 128 senadores em nível federal; 9 governadores e 1098 deputados em nível estadual; e 1802 prefeitos e 14674 vereadores em nível municipal.

A corrida eleitoral mexicana começou em setembro de 2023. Desde então foram 228 assassinatos relacionados ao pleito segundo o site Votar entre Balas, incluindo funcionários públicos, autoridades eleitorais e oficiais de segurança.

Em 2023, o ano mais violento politicamente dos últimos dez no México, foram 573 casos registrados. Destes, 353 se referem a assassinatos. Ainda houve 76 ataques armados, 68 sequestros, 45 atentados, 27 ameaças e quatro desaparecimentos.

2024 não parece melhorar o quadro. Até este mês de maio já foram registrados 275 casos, dos quais 145 se referem a assassinatos. Além deles, foram 38 ataques armados, 34 ameaças, 26 sequestros e um desaparecimento.

O estado de Guerrero, o mesmo lugar onde 43 estudantes foram mortos e tiveram seus cadáveres ocultados em 2014 por grupos milicianos ligados ao narcotráfico e à política local, lidera a lista de violência política uma década depois. 11,3% dos registros ocorreram ali.

Entre os 30 candidatos assassinados, 11 eram do Morena, seguidos por cinco do PAN, e três do Movimento Cidadão e do PRI. E são mais de 500 os candidatos que preferiram se retirar da disputa por ameaças diretas ou por medo.

Roberto Roldán, um cientista político mexicano especializado no tema, deu entrevista à BBC em que explica o caráter estrutural dessa violência. Ele aponta que em cada região há uma dinâmica diferente mas que, sem dúvidas, a violência é um problema político em todo o país e “compromete a democracia em nível local”.

“Sempre se pensou que as ameaças vêm de grupos armados que querem cooptar os políticos. Mas essa é apenas metade dos casos. A outra metade é por razões políticas. Ou seja, dentro dos partidos, as campanhas são disputadas a tiros. Não é que um partido queira eliminar o outro, mas a própria definição dos candidatos usa a violência como filtro. E por isso é algo muito estrutural, porque tem a ver com a maneira como os conflitos são resolvidos agora no México. Mais de dois terços dos 32 casos que analisamos em 2021 usavam uma técnica criminosa típica do sicariato: a execução precisa, sem ameaças prévias. Então, o método pode ser do crime, mas as intenções vêm da política”, disse o pesquisador.

Mas não é somente com relação à política que o México é um país violento. O número de homicídios é muito alto, em grande parte devido à esmagadora presença do crime organizado relacionado ao narcotráfico. O governo de Andrés Manuel Lopez Obrador (AMLO) conseguiu uma leve redução nos índices, com uma taxa de 20,6 homicídios por cada 100 mil habitantes (em países como a Itália, por exemplo, a taxa é de 0,6 homicídios por 100 mil habitantes), mas ainda está longe de solucionar o problema.

Foi durante as últimas três décadas que o modelo neoliberal foi aplicado no país, desmantelando o Estado e favorecendo a concentração do poder econômico nas mãos da oligarquia. O aumento da pobreza e da desigualdade social, bem como o crescimento da corrupção como mecanismo de controle social, foram os efeitos disso para a sociedade mexicana. Sobretudo após a entrada em vigor do Plano Mérida, que sob o pretexto de combater o narcotráfico e incluir o México como um parceiro dos EUA na chamada “guerra às drogas” produziu uma militarização sem precedentes num país que desde os anos 70 já convivia com massacres, como o Tlatelolco – ocorrido em 2 de outubro de 1968, que deixou centenas de estudantes mortos nas ruas da capital e nunca foram apresentados ou punidos os culpados.

As forças políticas

Claudia Sheinbaum e a coalizão “Sigamos Haciendo Historia”

A liderança nas pesquisas é de Sheinbaum, candidata de esquerda e sucessora de AMLO para o cargo. Segundo as intenções de voto, a candidata pode superar as expectativas e até vencer o pleito no primeiro turno. A coalizão é formada pelo Movimento de Regeneração Nacional (MORENA), o Partido do Trabalho (PT) e o Partido Verde Ecologista do México (PVEM).

Claudia Sheinbaum é cientista política e engenheira ambiental. Ela ganhou notoriedade por ser a primeira mulher e a primeira judia a ocupar o cargo de prefeita da Cidade do México. Tem uma longa história de atuação em níveis regionais e nacionais. Ela começou sua carreira política em 2000, quando foi nomeada Secretária do Meio Ambiente do Distrito Federal pelo seu padrinho político, AMLO, quando este governou a Cidade do México.

Cláudia Sheinbaum e AMLO. Wikimedia Commons

Depois, em 2018, foi eleita prefeita da capital. Seu principal foco foi a implementação de políticas ambientais e de desenvolvimento sustentável, incluindo a expansão da coleta de água de chuva, a reforma do gerenciamento de resíduos e o início de um programa de reflorestamento.

Em 2023, ela anunciou que deixaria o cargo de prefeita para concorrer às eleições presidenciais de 2024, tornando-se a candidata oficial do partido Morena. A carreira de Sheinbaum é marcada por suas posições progressistas e ambientalistas e é declaradamente uma crítica do modelo econômico neoliberal.

Xóchitl Gálvez e a coalizão de direita

A direita, por sua vez, está representada pela engenheira e empresária Xóchitl Gálvez, de 61 anos. Filiada ao PAN (Partido de Ação Nacional), um partido de centro-direita, mas frequentemente adere a políticas progressistas em questões sociais, como aborto, políticas sobre drogas e gastos sociais.

A coalizão é formada pelo Partido Revolucionário Institucional (PRI), o Partido Ação Nacional (PAN) e o Partido da Revolução Democrática (PRD). Os dois primeiros são os maiores partidos políticos do país e oriundos do sistema político que se formou após a Revolução Mexicana.

Getty Images – Xóchitl Gálvez

O conflito foi marcado por uma busca pela reforma agrária e valorização da cultura indígena e, sob o lema “Tierra y Libertad”, derrotou a ditadura de Porfírio Díaz em 1911. No entanto, nas décadas seguintes as oligarquias locais se reestruturaram para a democracia e criaram nos anos 20 e 30 os seus partidos que dominariam a cena política local.

O PRD, por sua vez, surgiu na segunda metade do século XX como uma alternativa de centro-esquerda aos chamados “dinossauros”, mas está alinhado à direita há muito tempo, sobretudo ao PRI.

O trio de partidos foi protagonista de diversos escândalos nos últimos 30 anos, do governo de Carlos Salinas de Gortari (1988) até o de Enrique Peña Nieto (2018). Com exceção do ex-presidente Vicente Fox, quase todos os demais ex-presidentes se autoexilaram nos Estados Unidos ou na Espanha após os escândalos.

Foi durante essas três décadas que aplicaram o modelo neoliberal, desmantelando o Estado e favorecendo a concentração do poder econômico nas mãos da oligarquia. O aumento da pobreza e da desigualdade social, bem como o crescimento da corrupção como mecanismo de controle social, foram os efeitos disso para a sociedade mexicana. Sobretudo após a entrada em vigor do Plano Mérida, que sob o pretexto de combater o narcotráfico e incluir o México como um parceiro dos EUA na chamada “Guerra às Drogas” produziu uma militarização sem precedentes num país que desde os anos 70 já convivia com massacres, como o Tlatelolco em 2 de outubro de 1968, que deixou centenas de estudantes mortos nas ruas da capital e nunca foram apresentados ou punidos os culpados.

Recentemente o país convive com fortes índices de violência em geral, em especial de violência política. O caso mais notável internacionalmente é o dos 43 estudantes da Escola Normal Rural de Ayotzinapa, no Estado de Guerrero. Os estudantes foram mortos por milícias locais.

Xóchitl Gálvez costuma acusar AMLO de ser um “ditador autoritário”, “chavista” e “comunista”, fazendo coro ao tipo de discurso e tom da extrema direita internacional representada por Trump, Milei e Bolsonaro.

A ‘terceira via’

Por fim, Jorge Álvarez Máynez é o candidato da chamada ‘terceira via’. Deputado e líder do Movimiento Ciudadano (MC), seu partido, enfoca sua campanha nos setores médios urbanos, principalmente nos estudantes. Ele criticou os partidos da oposição, PAN, PRI e PRD, pedindo que abrissem caminho para lideranças jovens e, ainda que esteja longe de uma vitória, sua candidatura só é viável por conta do apoio da juventude.

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